terça-feira, 27 de março de 2007

Fundador do Greenpeace defende energia nuclear

Fundador do Greenpeace defende energia nuclear
JANAINA LAGE
Folha de S. Paulo
27/3/2007

Para Patrick Moore, ambientalistas ainda vivem a mentalidade da Guerra Fria

Energia atômica, combinada a fontes renováveis, é a única forma de garantir suprimento mundial, diz ambientalista

Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace, é hoje um dos principais defensores da energia nuclear. Em 1991, fundou uma consultoria, a Greenspirit, que trabalha em parceria com governos e empresas em projetos de equilíbrio entre necessidades econômicas e preservação ambiental.
Em entrevista à Folha, Moore afirma que a resistência dos ambientalistas à energia nuclear é motivada por uma mentalidade típica da Guerra Fria. Para ele, o Brasil tem condições de se tornar líder no setor de álcool, mas deve procurar desenvolver em escala comercial a produção a partir do bagaço da cana para não se tornar um imenso canavial. Ele destaca que a produção a partir de alimentos como cana, milho e soja pode afetar negativamente a indústria alimentícia.

FOLHA - O que o fez mudar de idéia em relação à energia nuclear?
PATRICK MOORE - Cometemos um erro nos anos 70. Estávamos focados em armas e em guerras nucleares, preocupados com a possibilidade de a civilização e o ambiente serem destruídos pelo holocausto nuclear. Vejo que cometemos um erro ao incluir a energia nuclear como parte disso. Falhamos em distinguir o uso pacífico da tecnologia do destrutivo.
Além disso, a preocupação com as mudanças climáticas criou uma situação muito diferente no mundo. Agora queremos reduzir o consumo de combustíveis fósseis, não só pelas mudanças climáticas como pela poluição do ar.
Outro argumento é que uma parcela significativa dos combustíveis fósseis é proveniente de áreas de instabilidade política e até potencialmente hostis.
A única forma de reduzir o consumo de combustíveis fósseis de maneira significativa é fazer isso com um programa agressivo de energias renováveis combinado à energia nuclear.

FOLHA - As energias renováveis não podem cumprir esse papel?
MOORE - Não acredito que matematicamente seja possível mostrar que a energia solar e a energia eólica possam fazer isso sozinhas. Devemos usar energia hidrelétrica, a mais importante fonte de energia renovável, biomassa ou biocombustíveis, como vocês têm feito com a cana-de-açúcar. Mesmo isso não pode fazer tudo. Precisamos de uma grande quantidade de energia que seja confiável, segura e que não polua o ar, e isso é a energia nuclear.

FOLHA - E é seguro ter países como o Irã enriquecendo urânio?
MOORE - Isso é um problema. Seria benéfico para o Irã ter energia nuclear, a não ser que o país queira usar essa tecnologia para fins maléficos. O que temos que ter é a Parceria Global da Energia Nuclear, com maior controle sobre urânio e plutônio. Até a Rússia está começando a criticar o Irã. Se todos os Estados que usam energia nuclear, como EUA, China, Rússia e França, entrarem nesse grupo, eles vão controlar o urânio e o plutônio de forma que não caiam em mãos erradas.
Você não precisa de um reator nuclear para fazer uma arma nuclear. As armas nucleares que estão sendo construídas no mundo são feitas com plutônio de reatores nucleares militares, que é outra categoria. Mesmo se fecharmos todos os mais de 400 reatores que estão em funcionamento, isso não vai fazer os generais desistirem de seus reatores nucleares militares. É preciso distinguir o uso pacífico da energia nuclear do uso militar de armas nucleares.

FOLHA - No Brasil, o governo está bastante próximo de retomar o projeto nuclear, mas há resistência entre ambientalistas e o Ministério do Meio Ambiente. Por que os ambientalistas em geral ainda resistem ao uso dessa fonte de energia?
MOORE - É uma infelicidade. Acredito que eles ainda estão presos a uma mentalidade da Guerra Fria. O movimento pacifista é focado em guerras e armas e incluíram a energia nuclear como se fosse a mesma coisa. O princípio que devemos adotar é que não podemos banir os usos benéficos de uma tecnologia só porque ela pode ser usada para o mal.
Mais de 1 milhão de pessoas já foram mortas na África com um simples facão. Essa é também a ferramenta mais importante para fazendeiros. Eles limpam o terreno e cortam a madeira, mas ela também pode ser usada para cortar braços de humanos e matá-los. Temos que usar a energia nuclear para fins pacíficos e dar ao mundo um exemplo. O Brasil pode fazer isso, mostrar ao mundo que pode usar tecnologia nuclear, sem armas nucleares.
O problema com a posição dos ambientalistas é que, de um lado, eles estão dizendo que as mudanças climáticas serão uma espécie de catástrofe que vai destruir o ambiente e a civilização. Por outro lado, eles se recusam a aceitar que a energia nuclear é a única grande fonte de energia que pode substituir os combustíveis fósseis.

FOLHA - Mas a indústria nuclear já teve o acidente de Chernobyl...
MOORE - Chernobyl representou um erro estúpido. Foi uma combinação do estilo ruim do reator construído pelos soviéticos com um erro dos operadores. O saldo relacionado ao acidente, no entanto, é de 56 mortes. Do ponto de vista industrial, não foi um acidente tão grande assim. Meu Deus, 1,2 milhão de pessoas morrem em acidentes de carro todo ano!

FOLHA - A indústria já encontrou uma solução para os resíduos?
MOORE - O combustível que é tirado do reator não é totalmente desperdiçado. Quase 90% poderia ser reciclado. O que devemos fazer é armazenar o combustível usado de forma segura e cuidadosa até o momento em que possa ser reciclado. Isso tem sido feito na França, na Rússia e no Japão. E deve ocorrer logo nos EUA. Eles fizeram a opção de não reciclar o combustível nuclear na gestão Jimmy Carter, que estava preocupado com a possibilidade de o plutônio cair em mãos erradas. O que posso dizer é que há mais de 400 reatores em uso e ninguém nunca foi ferido pelo combustível guardado em recipientes porque é armazenado de forma segura.

FOLHA - O Brasil tem condições de tornar o álcool uma commodity?
MOORE - Sim. Estive no Brasil por dez dias, vi as vastas plantações de cana. O Brasil é provavelmente o líder mundial em biomassa e biocombustíveis. Isso é muito importante, mas também é preciso considerar quanto do ecossistema natural queremos transformar em um imenso canavial. Temos que ter um equilíbrio para não transformar o país inteiro numa fábrica de fazer açúcar e álcool.

FOLHA - É possível convencer outros países a usar álcool nos carros?
MOORE - Sim. Os EUA também estão fazendo álcool, mas a partir do milho, e biodiesel a partir da soja. O problema é que você está retirando comida da indústria alimentícia. A visão futura é fazer o álcool a partir do bagaço da cana. Se tivermos sucesso nisso, podemos evitar a competição com as commodities alimentícias e usar o açúcar, a soja, e o milho para alimentar pessoas. A quantidade necessária desses produtos para substituir combustíveis fósseis teria um impacto grande no suprimento alimentar.

FOLHA - Qual é a sua avaliação sobre o desmatamento na Amazônia?
MOORE - É muito hipócrita que pessoas da Ásia e da América do Norte apontem o dedo para o Brasil sobre desmatamento, porque o fato é que a Amazônia tem mais de sua floresta original do que os EUA e a Europa. As pessoas gostam de pensar que elas não fazem desmatamento onde vivem, mas toda a agricultura nos EUA e em cidades da Europa são sinais de desmatamento. Antes eram locais de florestas. No Brasil, você tem que ter comida, assim como no restante do mundo.
Estive na Amazônia e vi quão rapidamente a natureza se recompõe, se você a deixa em paz. O clima tropical significa que as plantas podem crescer o ano todo. Voei de um lado a outro da Amazônia e fiquei surpreso de ver quão vasta é a área de floresta que continua lá. Acho que o Brasil está fazendo um bom trabalho em definir áreas grandes para proteção ambiental.

Fonte: Clipping Ministério do Planejamento

quinta-feira, 15 de março de 2007

Energia mais poluente e mais cara não reduz risco de apagão

Energia mais poluente e mais cara não reduz risco de apagão
14/3/2007
Cláudia Schüffner e Chico Santos
Valor Econômico

A energia no Brasil está ficando mais cara e mais suja, sem que essa perda de qualidade garanta um risco menor no suprimento deste insumo. Para garantir o crescimento do PIB da ordem de 4% a 5% ao ano, o Brasil precisa aumentar sua capacidade instalada de geração de energia, que fechou 2006 com 96,3 mil megawatts (MW) de potência. Para os próximos quatro anos (até 2010), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) traça dois cenários de aumento da capacidade instalada. No desenho otimista, ela cresce 12% (ou 3% ao ano). No conservador, apenas 5,6% (menos de 1,5% ao ano). Entre 2002 e 2006, quando o PIB evoluiu apenas 2,6% ao ano, a oferta aumentou 20% - cerca de 5% ao ano.

De um total de 38 usinas já licitadas, apenas oito estão em construção, segundo relatório da Aneel. O cenário conservador conta, apenas, com a energia que será fornecida por estas oito hidrelétricas, cujo início de funcionamento vai de 2007 até 2010. No cenário otimista, também entram na conta de aumento da capacidade instalada mais 13 usinas cuja construção não começou por atraso no processo de licenciamento ambiental ou outra razão - estas são as usinas classificadas sobre o código amarelo. Nos dois cenários também estão incluídos o aumento da oferta de energia por geração térmica, eólica e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

As chuvas que fizeram todas as grandes barragens do país encherem a ponto de ser necessárias medidas para abrir as comportas dos reservatórios nos últimos dois meses garantem o suprimento até meados de 2008. E continuam sendo necessárias para garantir o suprimento do país, a exemplo do que ocorreu na década de 90.

Técnicos de dentro do próprio governo admitem que se os projetos de gasodutos e de importação de gás natural liquefeito (GNL) não amadurecerem a tempo, são grandes as incertezas para o período 2009/2010 caso as chuvas venham abaixo da média. No cálculo da oferta de energia, a potência instalada das usinas não significa que elas conseguem gerar 100% de sua capacidade.

Para efeitos de projeções, se calcula historicamente que a energia assegurada em megawatts médios (MWmed) de uma hidrelétrica corresponde a 60% de sua potência. Isso porque ela depende da quantidade de água em seu reservatório, que por sua vez é maior ou menor em determinados meses do ano em função do rio onde foi construída a queda d´água. Segundo informa a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a quantidade de energia assegurada no sistema elétrico atualmente é da ordem de 54 mil MW médios (MWmed), pouco mais da metade da potência instalada no país. Nas térmicas, a energia assegurada é maior, correspondendo historicamente a cerca de 90% da potência.

O quadro de oferta futura de energia, aliado às projeções de aumento da demanda (em torno de 5% ao ano até 2010), embasam os temores de vários consultores com relação à robustez da oferta de energia. Apesar das manifestações otimistas por parte do governo, já é clara a preocupação com o tema, e ela fica explícita na maior entrada de usinas termelétricas à óleo ou a carvão na matriz energética - uma oferta mais cara e poluente.

No acumulado dos três primeiros leilões já feitos de acordo com as regras do novo modelo do setor elétrico, 57% da energia contratada foi de origem térmica, embora nos dois últimos a oferta de energia hidrelétrica tenha sido bem superior à do primeiro. Nos dois leilões marcados para maio, mais de 70% dos 25,5 mil megawatts ofertados são de origem térmica. Além disso, nos três primeiros leilões as estatais foram responsáveis pela oferta de 57% da energia contratada, refletindo a insegurança do setor privado. Os números mostram ainda que o preço da energia térmica é sempre maior no futuro.

Na hipótese prevista no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - o Brasil vai crescer 4,5% este ano e 5% ao ano de 2008 a 2010 - , o país vai precisar de aproximadamente 3.000 megawatts (MW) novos de potência ao ano para cobrir o aumento da demanda. Como atualmente não há nenhum grande aproveitamento hidrelétrico em vias de ser colocado em produção, a solução mais imediata para cobrir a demanda de 2009 e do começo de 2010 é o retorno ao Sistema Interligado Nacional (SIN) dos 2.698 MW gerados por termelétricas a gás que foram retirados por falta de combustível.

Em suas previsões, a Aneel conta com a entrada de 3.654 MW de 113 termelétricas (que usam gás, óleo e biomassa, entre outros combustíveis) entre 2006 e 2011. Mas segundo acompanhamento da própria agência, apenas 28 desses empreendimentos já estão em construção.

O raciocínio dos técnicos do sistema elétrico é que, com o aumento da oferta de energia térmica, se ganha tempo para a entrada gradual de hidrelétricas maiores já previstas, como a gigantesca Estreito, no Tocantins (1.087 MW), hoje cumprindo exigências ambientais para entrar em obra e que está listada pela Aneel entre os projetos vermelhos - aqueles "com graves restrições".

O analista Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), avalia que "o cronograma das térmicas não encaixa". O engenheiro Marco Tavares, sócio da Gas Energy, calcula que as chuvas que encheram os reservatórios deram uma "folga" de apenas cinco meses ao governo, que precisa usar esse período para planejar "como resolver o que fazer para não faltar energia em 2009 e 2010". Segundo ele, o balanço de energia que está espelhada nos balanços do ONS e Aneel mostra a necessidade de energia nova para equacionar esse quadro, entre elas a volta das térmicas que saíram com base em gás interruptível ou óleo, ou mais leilões de ajuste.

Segundo balanço do CBIE, com dados do ONS e considerando só as usinas sem impedimento para a construção, haverá um déficit de 28 MW em 2010 e de 2.712 MW de energia em 2011. Sem as usinas novas já leiloadas, os déficits sobem, respectivamente, para 1.475 e 4.259 MW. Os analistas do banco Credit Suisse vão além. Eles estimam que o risco de déficit de energia em 2010 é de 25%, quando o Brasil convive historicamente com um risco de apagão de apenas 5%.

O ONS, uma organização do mercado fortemente submetida ao controle do Estado, estima que o déficit em 2009 será de apenas 4,8% . Mas seu relatório de fevereiro de 2007 mostra que de 38 hidrelétricas (8.861 megawatts) previstas para entrar em operação até 2012, nada menos do que 6.066 MW (ou 30 usinas) não estão iniciadas, e mais da metade dessa potência enfrenta graves problemas ambientais para sua execução..

O presidente do ONS, Hermes Chipp, assegura que o saldo positivo do período úmido (chuvas) de 2006/2007 será suficiente para assegurar o abastecimento de energia até 2009. Mas ressalta que "a lição que ficou do racionamento de energia de 2001 foi que ao longo dos anos anteriores a ele não houve a agregação de hidrelétricas no país com regularidade e nem um parque térmico de grande porte".

O quadro hoje não é muito diferente. Não há agregação de usinas hídricas e o parque térmico está inoperante por falta de combustível. Por isso Chipp é enfático ao afirmar que o Brasil precisa de mais térmicas para melhorar seu equilíbrio energético. Ele ressalta que, apesar de caras, elas são essenciais par dar segurança ao sistema.

O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, diz que há uma "persistente falta de oferta de energia porque o cadastro de novos empreendimentos estava escasso". Mas, segundo ele, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) foi criada para solucionar o problema, o que já está sendo feito.

Outra dificuldade que existe, diz ele, é que os estudos de engenharia que existiam tinham uma dificuldade ambiental. Em alguns casos elas foram superadas, em outros não. "Em terceiro lugar, é preciso compreender que existem empreendimentos já licenciados e o próprio Ministério de Meio Ambiente tem dito que não é a única trava."

"Um exemplo é a existência de 100 Pequenas Centrais Hidrelétricas com licença ambiental que não saíam do papel porque pelas regras existentes tinham que vender energia no longo prazo competindo com as grandes hidrelétricas existentes", enumera Kelman, lembrando que isso foi resolvido com a decisão de marcar um leilão específico para pequenas centrais.

Segundo o diretor-geral da Aneel, a expectativa agora é de grande participação de PCH"s no leilão de fontes alternativas. E para aqueles que não participarem, fica o aviso do xerife do setor. "Vamos começar o processo de caçar e licitar as autorizações das PCH"s que ficarem de fora do leilão. Se mesmo tendo oportunidade de fazer contratos de longo prazo de venda de energia essas usinas não saírem do papel vamos retomar para introduzir um processo competitivo", avisa.

A questão do licenciamento ambiental, somada aos problemas relacionados com a preservação de terras indígenas, é tida por especialistas do setor como um obstáculo gigantesco para viabilizar obras que o próprio governo considera indispensáveis, como as usinas de Jirau e Santo Antonio (rio Madeira) e Belo Monte (rio Xingu).

O problema é tão grave que o físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, entende que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria coordenar as negociações que permitam chegar a um acordo que atenda a todas as partes. "Não se pode negar a eletricidade à população e nem destruir o meio-ambiente por causa do progresso", argumenta.

Pinguelli concorda que as chuvas salvaram 2007 e 2008, mas avalia que "não há indícios de que o risco (tolerável) de 5% será mantido nos anos seguintes". Tavares, da Gás Energy, diz que não é possível acreditar em solução mágica. Acha que falta realismo tarifário que permita atrair novos investidores.