quinta-feira, 15 de março de 2007

Energia mais poluente e mais cara não reduz risco de apagão

Energia mais poluente e mais cara não reduz risco de apagão
14/3/2007
Cláudia Schüffner e Chico Santos
Valor Econômico

A energia no Brasil está ficando mais cara e mais suja, sem que essa perda de qualidade garanta um risco menor no suprimento deste insumo. Para garantir o crescimento do PIB da ordem de 4% a 5% ao ano, o Brasil precisa aumentar sua capacidade instalada de geração de energia, que fechou 2006 com 96,3 mil megawatts (MW) de potência. Para os próximos quatro anos (até 2010), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) traça dois cenários de aumento da capacidade instalada. No desenho otimista, ela cresce 12% (ou 3% ao ano). No conservador, apenas 5,6% (menos de 1,5% ao ano). Entre 2002 e 2006, quando o PIB evoluiu apenas 2,6% ao ano, a oferta aumentou 20% - cerca de 5% ao ano.

De um total de 38 usinas já licitadas, apenas oito estão em construção, segundo relatório da Aneel. O cenário conservador conta, apenas, com a energia que será fornecida por estas oito hidrelétricas, cujo início de funcionamento vai de 2007 até 2010. No cenário otimista, também entram na conta de aumento da capacidade instalada mais 13 usinas cuja construção não começou por atraso no processo de licenciamento ambiental ou outra razão - estas são as usinas classificadas sobre o código amarelo. Nos dois cenários também estão incluídos o aumento da oferta de energia por geração térmica, eólica e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

As chuvas que fizeram todas as grandes barragens do país encherem a ponto de ser necessárias medidas para abrir as comportas dos reservatórios nos últimos dois meses garantem o suprimento até meados de 2008. E continuam sendo necessárias para garantir o suprimento do país, a exemplo do que ocorreu na década de 90.

Técnicos de dentro do próprio governo admitem que se os projetos de gasodutos e de importação de gás natural liquefeito (GNL) não amadurecerem a tempo, são grandes as incertezas para o período 2009/2010 caso as chuvas venham abaixo da média. No cálculo da oferta de energia, a potência instalada das usinas não significa que elas conseguem gerar 100% de sua capacidade.

Para efeitos de projeções, se calcula historicamente que a energia assegurada em megawatts médios (MWmed) de uma hidrelétrica corresponde a 60% de sua potência. Isso porque ela depende da quantidade de água em seu reservatório, que por sua vez é maior ou menor em determinados meses do ano em função do rio onde foi construída a queda d´água. Segundo informa a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a quantidade de energia assegurada no sistema elétrico atualmente é da ordem de 54 mil MW médios (MWmed), pouco mais da metade da potência instalada no país. Nas térmicas, a energia assegurada é maior, correspondendo historicamente a cerca de 90% da potência.

O quadro de oferta futura de energia, aliado às projeções de aumento da demanda (em torno de 5% ao ano até 2010), embasam os temores de vários consultores com relação à robustez da oferta de energia. Apesar das manifestações otimistas por parte do governo, já é clara a preocupação com o tema, e ela fica explícita na maior entrada de usinas termelétricas à óleo ou a carvão na matriz energética - uma oferta mais cara e poluente.

No acumulado dos três primeiros leilões já feitos de acordo com as regras do novo modelo do setor elétrico, 57% da energia contratada foi de origem térmica, embora nos dois últimos a oferta de energia hidrelétrica tenha sido bem superior à do primeiro. Nos dois leilões marcados para maio, mais de 70% dos 25,5 mil megawatts ofertados são de origem térmica. Além disso, nos três primeiros leilões as estatais foram responsáveis pela oferta de 57% da energia contratada, refletindo a insegurança do setor privado. Os números mostram ainda que o preço da energia térmica é sempre maior no futuro.

Na hipótese prevista no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - o Brasil vai crescer 4,5% este ano e 5% ao ano de 2008 a 2010 - , o país vai precisar de aproximadamente 3.000 megawatts (MW) novos de potência ao ano para cobrir o aumento da demanda. Como atualmente não há nenhum grande aproveitamento hidrelétrico em vias de ser colocado em produção, a solução mais imediata para cobrir a demanda de 2009 e do começo de 2010 é o retorno ao Sistema Interligado Nacional (SIN) dos 2.698 MW gerados por termelétricas a gás que foram retirados por falta de combustível.

Em suas previsões, a Aneel conta com a entrada de 3.654 MW de 113 termelétricas (que usam gás, óleo e biomassa, entre outros combustíveis) entre 2006 e 2011. Mas segundo acompanhamento da própria agência, apenas 28 desses empreendimentos já estão em construção.

O raciocínio dos técnicos do sistema elétrico é que, com o aumento da oferta de energia térmica, se ganha tempo para a entrada gradual de hidrelétricas maiores já previstas, como a gigantesca Estreito, no Tocantins (1.087 MW), hoje cumprindo exigências ambientais para entrar em obra e que está listada pela Aneel entre os projetos vermelhos - aqueles "com graves restrições".

O analista Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), avalia que "o cronograma das térmicas não encaixa". O engenheiro Marco Tavares, sócio da Gas Energy, calcula que as chuvas que encheram os reservatórios deram uma "folga" de apenas cinco meses ao governo, que precisa usar esse período para planejar "como resolver o que fazer para não faltar energia em 2009 e 2010". Segundo ele, o balanço de energia que está espelhada nos balanços do ONS e Aneel mostra a necessidade de energia nova para equacionar esse quadro, entre elas a volta das térmicas que saíram com base em gás interruptível ou óleo, ou mais leilões de ajuste.

Segundo balanço do CBIE, com dados do ONS e considerando só as usinas sem impedimento para a construção, haverá um déficit de 28 MW em 2010 e de 2.712 MW de energia em 2011. Sem as usinas novas já leiloadas, os déficits sobem, respectivamente, para 1.475 e 4.259 MW. Os analistas do banco Credit Suisse vão além. Eles estimam que o risco de déficit de energia em 2010 é de 25%, quando o Brasil convive historicamente com um risco de apagão de apenas 5%.

O ONS, uma organização do mercado fortemente submetida ao controle do Estado, estima que o déficit em 2009 será de apenas 4,8% . Mas seu relatório de fevereiro de 2007 mostra que de 38 hidrelétricas (8.861 megawatts) previstas para entrar em operação até 2012, nada menos do que 6.066 MW (ou 30 usinas) não estão iniciadas, e mais da metade dessa potência enfrenta graves problemas ambientais para sua execução..

O presidente do ONS, Hermes Chipp, assegura que o saldo positivo do período úmido (chuvas) de 2006/2007 será suficiente para assegurar o abastecimento de energia até 2009. Mas ressalta que "a lição que ficou do racionamento de energia de 2001 foi que ao longo dos anos anteriores a ele não houve a agregação de hidrelétricas no país com regularidade e nem um parque térmico de grande porte".

O quadro hoje não é muito diferente. Não há agregação de usinas hídricas e o parque térmico está inoperante por falta de combustível. Por isso Chipp é enfático ao afirmar que o Brasil precisa de mais térmicas para melhorar seu equilíbrio energético. Ele ressalta que, apesar de caras, elas são essenciais par dar segurança ao sistema.

O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, diz que há uma "persistente falta de oferta de energia porque o cadastro de novos empreendimentos estava escasso". Mas, segundo ele, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) foi criada para solucionar o problema, o que já está sendo feito.

Outra dificuldade que existe, diz ele, é que os estudos de engenharia que existiam tinham uma dificuldade ambiental. Em alguns casos elas foram superadas, em outros não. "Em terceiro lugar, é preciso compreender que existem empreendimentos já licenciados e o próprio Ministério de Meio Ambiente tem dito que não é a única trava."

"Um exemplo é a existência de 100 Pequenas Centrais Hidrelétricas com licença ambiental que não saíam do papel porque pelas regras existentes tinham que vender energia no longo prazo competindo com as grandes hidrelétricas existentes", enumera Kelman, lembrando que isso foi resolvido com a decisão de marcar um leilão específico para pequenas centrais.

Segundo o diretor-geral da Aneel, a expectativa agora é de grande participação de PCH"s no leilão de fontes alternativas. E para aqueles que não participarem, fica o aviso do xerife do setor. "Vamos começar o processo de caçar e licitar as autorizações das PCH"s que ficarem de fora do leilão. Se mesmo tendo oportunidade de fazer contratos de longo prazo de venda de energia essas usinas não saírem do papel vamos retomar para introduzir um processo competitivo", avisa.

A questão do licenciamento ambiental, somada aos problemas relacionados com a preservação de terras indígenas, é tida por especialistas do setor como um obstáculo gigantesco para viabilizar obras que o próprio governo considera indispensáveis, como as usinas de Jirau e Santo Antonio (rio Madeira) e Belo Monte (rio Xingu).

O problema é tão grave que o físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, entende que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria coordenar as negociações que permitam chegar a um acordo que atenda a todas as partes. "Não se pode negar a eletricidade à população e nem destruir o meio-ambiente por causa do progresso", argumenta.

Pinguelli concorda que as chuvas salvaram 2007 e 2008, mas avalia que "não há indícios de que o risco (tolerável) de 5% será mantido nos anos seguintes". Tavares, da Gás Energy, diz que não é possível acreditar em solução mágica. Acha que falta realismo tarifário que permita atrair novos investidores.

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