sexta-feira, 4 de maio de 2007

INCERTEZAS ELEVAM PREÇOS NO MERCADO LIVRE



Maurício Capela e Samantha Maia
Valor Econômico
3/5/2007

A instabilidade ainda não tomou conta do setor de energia no Brasil, mas a dúvida sim. Sem a licitação de um grande empreendimento hidrelétrico e com a mudança de postura da Bolívia em relação ao fornecimento do gás natural no último ano, é cada vez mais difícil garantir que o país não passará por um novo racionamento de energia até o fim da década. E à medida que o nível de incerteza sobe entre os agentes do setor, a cotação do megawatt hora (MWh) comercializado no mercado livre também sobe, apesar de não se acreditar em explosão de preços.

"Existe uma volatilidade grande no mercado e como a perspectiva entre oferta e demanda é apertada, logo o viés é de alta para os preços no mercado livre", afirma Paulo Cezar Tavares, vice-presidente de gestão de energia da CPFL Brasil, a comercializadora da holding CPFL Energia.

De fato, os números mostram isso. Uma companhia que tenha hipoteticamente adquirido energia por meio de um contrato de um ano, iniciado em janeiro de 2005, teria desembolsado entre R$ 50 e R$ 60 por megawatt/hora (MWh), de acordo com as comercializadoras ouvidas pelo Valor. E caso tenha renovado o acordo em janeiro de 2006, teria pago entre R$ 60 e R$ 75 o MWh.

Um ano depois, em janeiro passado, a mesma empresa gastaria entre R$ 80 e R$ 90, praticamente o dobro do valor gasto no mercado à vista nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país, conforme dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

"Em dezembro de 2006, em alguns casos, o MWh chegou a ser negociado por R$ 115, mas em janeiro deste ano caiu para R$ 95", afirma o executivo da CPFL Brasil. "O aumento do preço da energia era previsto e não foi surpresa para ninguém. A tendência era que realmente ele subisse no mercado livre", afirma Ricardo Lisboa, sócio da comercializadora independente Delta.

O fato é que o preço do MWh subiu nos últimos anos porque, de fato, a energia andava barata. Com o fim do racionamento do insumo em 2001, havia uma oferta grande no mercado, o que propiciou preços atraentes e boa economia. Tanto é que o mercado livre, além de ter proporcionado uma economia de R$ 2,6 bilhões para quem operava nele em 2005, já representa perto de 26% do mercado total.

Quem firmou contratos de longo prazo, com duração até 2015, conseguiu economizar em 2003, por exemplo, 50% se comparado ao valor do MWh no mercado cativo e 40% em 2005, de acordo com dados da CPFL Brasil.

"Agora, quem fizer um contrato de longo prazo, vigorando a partir de 2008, muito provavelmente pagará entre R$ 110 e R$ 130 o MWh", diz Renato Volponi, diretor da Enertrade, comercializadora da Energias do Brasil, holding controlada pela portuguesa EDP. De acordo com o executivo, a atual sobra de energia que está ao redor de 5 mil megawatts médios fomenta a alta do valor no mercado livre.

"Para mim, está claro que não se venderá energia no mercado livre mais a R$ 50 o MWh, mas também engana-se quem acredita que poderá alcançar R$ 300 por cada MWh, porque por esse preço ninguém compra o insumo", afirma Marcelo Parodi, co-presidente da comercializadora independente Comerc.

Parodi fala com a autoridade de quem realizou 11 leilões de energia entre 2003 e 2005 no mercado livre. Tanto que negociou 850 megawatts médios neste período, o que equivale ao consumo de todas as residências do Estado de Minas Gerais por cerca de doze meses.

Para o empresário da Comerc, o gerador se baseia em três fatores na hora de formatar o preço. A saber: o valor praticado nos leilões do governo para as distribuidoras, o comportamento do preço no mercado à vista - que, por exemplo, estava a R$ 17 no início do ano e hoje está próximo dos R$ 50 - e a cotação das tarifas no setor cativo. Tanto que Parodi arrisca até um preço-teto para o mercado livre de energia no futuro, considerando a incerteza de oferta: de R$ 120 a R$ 125 o MWh.

No entanto, a subida de valores da energia no mercado livre também corre o risco de perder fôlego. Primeiro, porque basta ocorrer uma licitação de uma grande hidrelétrica para que o risco diminua e, depois, porque o mercado deverá acolher bem as últimas notícias sobre a ação da Petrobras na questão do gás natural. Além disso, a situação dos reservatórios no país andam confortáveis. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a energia armazenada neles está entre 83% e 99%.

Na última semana, por exemplo, a Petrobras anunciou que fechou contrato com a norueguesa Golar LNG para fretar as embarcações para os terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL) da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, e de Pecém, no Ceará, a um custo de US$ 90 milhões por ano. Com previsão para entrar em operação, pelo menos uma delas, no primeiro semestre de 2008, as operações terão capacidade de regaseificar 21 milhões de metros cúbicos diários.

Ao mesmo tempo, a Petrobras sacramentou acordo com primeiro fornecedor de GNL ao assinar "acordo de intenções" com a nigeriana Nigerian LNG para a compra de GNL no mercado livre a partir de abril de 2008. Também firmou um "acordo de confidencialidade" com a Oman LNG, com o mesmo objetivo, e informa que tem intenções de negociar outros contratos com empresas da Argélia em maio deste ano.

"Particularmente, não acredito em apagão. E é bem possível que o mercado possa se acalmar se houver boas notícias de GNL", diz o executivo da Enertrade.

Acordo define regras para termelétricas

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Petrobras deram um passo importante para dar mais segurança ao setor de energia no Brasil. Ontem, a agência e a estatal firmaram um termo de compromisso que estabelece um cronograma de oferta de combustíveis - especialmente gás natural - para as 24 usinas termelétricas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do país entre 2007 e 2011.

Este termo de compromisso é o desfecho da queda de braço iniciada em meados do ano passado, quando o Operador Nacional do Sistema (ONS) tentou usar as termelétricas a plena capacidade e não conseguiu por falta de gás natural. Pelos cálculos iniciais, em outubro de 2006, o problema reduziu a geração de energia em 2.888 MW médios, o suficiente para abastecer 15,5 milhões de residências durante um ano. E em 19 de setembro de 2006, a Aneel estabeleceu que deveria ser informada sobre a real disponibilidade de combustível. A retirada das térmicas a gás da conta de oferta de energia - determinada posteriormente pela Aneel - teve implicações para os cálculos de risco de apagão e também para o preço futuro do insumo.

De acordo com a agência, a validade do documento firmado ontem está condicionada à publicação de portaria do Ministério de Minas e Energia. E a medida deverá trazer, inclusive, a redução do valor das garantias físicas dessas usinas. Ainda que a estatal também informe que o acordo será apreciado por uma reunião envolvendo a sua diretoria, conforme disse ao Valor a assessoria de imprensa da Petrobras, o termo já tem suas diretrizes definidas.

Uma delas, inclusive, diz respeito aos termos de multa se não houver cumprimento do termo. Em caso de a Petrobras não fornecer o combustível para as termelétricas, a Aneel poderá aplicar uma penalidade, que será calculada com base na diferença entre a potência despachada e a potência disponível, multiplicada pelo tempo em que o empreendimento ficou sem insumo e por um percentual crescente do valor máximo da energia vendida no mercado à vista.

Além disso, a Aneel explica que os 24 empreendimentos terão disponibilidade média de 2,2 mil megawatts médios (MW médios) no primeiro semestre de 2007, obedecendo portanto a uma programação do cronograma de oferta de combustíveis. Sendo assim, ficou estabelecido que esse montante deverá alcançar 6,74 mil MW médios no primeiro semestre de 2011.

No entanto, a agência terá total liberdade de "no período de vigência do termo de compromisso determinar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a realização de testes, por meio da operação simultânea das termelétricas", diz o comunicado da Aneel enviado à impressa. E a agência informa que isso não se aplica somente a ela, também abrange a Petrobras que poderá solicitar esses testes desde que arque com os custos de geração. Das 24 usinas, 17 usarão gás natural e as outras sete demandarão outros combustíveis.

De acordo com o termo firmado ontem, serão feitos testes semestralmente, e o primeiro deve ocorrer em junho de 2007. E caso fique claro que existe indisponibilidade de geração de uma ou mais usinas por falta de combustível, a Petrobras poderá ser multada. E o descumprimento, por 60 dias consecutivos ou intercalados, do cronograma apresentado à Aneel, resultará no cancelamento do Termo de Compromisso e na retirada das usinas da programação do ONS. Segundo analistas, o termo fechado ontem entre a Aneel e a Petrobras é muito positivo. "O acordo é o compromisso firme que a Aneel pediu para que as termelétricas voltassem a ser consideradas no sistema nacional", diz Mário Veiga, da PRS Consultoria.

Para Veiga, esse formato trará segurança sobre a possibilidade de se poder contar com a operação das usinas termelétricas. "A pior coisa que pode haver para o setor é contar com termelétricas que não podem operar. Então o que vem sendo feito é negociar com a Petrobras para garantir tranqüilidade", diz. Mas a dúvida se as projeções são realistas ainda persiste, tanto que o consultor confia na seriedade da empresa e na existência de penalidades no acordo. "Imaginamos que agora a Petrobras vá detalhar como vai disponibilizar o gás", afirma Veiga.

Uma das possibilidades será investir em gás natural liquefeito (GNL) no Rio, uma opção que no entanto é mais cara, segundo o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE). "O único problema dessa saída é o preço, mas isso ainda é especulação, a Petrobras deverá apresentar seus planos. Mesmo assim, o acordo é uma decisão importante", diz. Para Marco Tavares, da consultoria Gas Energy, as metas firmadas no acordo são desafiadoras para a estatal. "Cumprir esse cronograma de fornecimento de gás vai exigir um esforço grande da Petrobras, pois há uma série de investimentos a serem feitos."

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